sábado, 12 de fevereiro de 2011

Um conto dedicado à Andrielly Rayssa.


É como diz o velho ditado: olhando de perto, nenhuma família é normal. O problema é que no meu caso, não era preciso nem observar tão de perto, bastava apenas prestar um pouco de atenção. Nós éramos muito diferentes. Extremamente exóticos. Minha mãe é uma bruxa, quer dizer, foi uma bruxa, ela morreu. Ela não fazia muito o gênero de “bruxinha boazinha”, na verdade, era adepta à magia negra. E acabou sendo morta pelos próprios demônios a quem apelava de joelhos praticamente todas as noites. É como o meu pai diz: nunca faça negócios com gente mais poderosa que você. Bem, o meu pai é exorcista. Você deve estar se perguntando por que um exorcista se envolveria com uma moça demoníaca. Simples: amor. É bastante improvável, mas foi exatamente isso que aconteceu, numa das sessões de exorcismo que meu pai frequentava, ele conheceu a bela Charlotte. Detalhe: ela estava sendo exorcizada. Mas minha mãe jurou até o último ano de sua vida que nunca foi possuída, e que todo aquele “espetáculo que os padres armaram” foi puro exagero. A mãe dela, minha avó, a pegou praticando bruxaria e ficou desesperada, então, a levou imediatamente à Igreja, por mais que a filha alegasse está em sã consciência. E na verdade, ela estava mesmo, minha mãe conversava com os demônios, mas nunca fora invadida por nenhum deles, as pessoas que passam por essa experiência não costumam sobreviver após o exorcismo. E agora eu, Melanie StandFord, estou prestes a completar 15 anos de idade. Mas não se engane, não há nenhuma tradição de família que confirme que eu vá ser tão estranha quanto os meus pais. Isso só acontece na Disney. Eles eram assim por opção. A questão é que o meu pai, tão moderno e futurista, quer fazer a minha maldita festa de debutantes. Eu já cansei de falar pra ele que não tenho amigos o suficiente, não tenho um príncipe com o qual eu possa dançar a maldita dança, ou seja, não tenho os requisitos. Esse é o meu jeito particular de ser estranha. Mas ele insiste no assunto, diz que era o sonho da minha mãe. Como assim uma bruxa pode cultivar sonhos tão primitivos? É contraditório a tudo o que nós somos. Perdão, ao que eles são. Os dias passaram quase a mil por hora, tudo conspirava para que o dia mais temido da minha vida se aproximasse cada vez mais. Já que eu não tinha amigos, o meu pai pediu ajuda de uma professora para saber quem eram os meus colegas de classe e convidá-los para a festa. Eu fiz questão de ficar calada e longe de qualquer informação, quanto menos eu soubesse, menos aflita eu ficaria. Mas de uma coisa eu tinha certeza: Eliot seria convidado. Provavelmente não compareceria, mas ainda assim, seria convidado. E era o suficiente para eu ser linchada o resto do ano. Segundo a St.ª Carie McAdams, a todo-poderosa da escola, eu era terminantemente proibida de me aproximar do seu lindo namorado. Eu não sei por que ela tinha tanto medo de mim, a estranha que senta no fundão da sala, usa roupas pretas, e não conversa com ninguém. Que ameaça eu poderia significar para ela? E então, o grande dia chegou. Eu estava incrivelmente bizarra num vestido longo de corpo princesa. Eu dançaria com um primo distante. Família, afinal, serve pra alguma coisa. Eu tinha a total convicção que não haveria ninguém no salão de festas. Total. Mas quando anunciaram a minha entrada, e eu avistei o grande salão, fiquei estagnada. Chocada. Por Deus, todos os meus colegas estavam ali, quanto será que meu pai pagou pra eles virem até aqui? Eliot estava absurdamente lindo num smoking preto reluzente. Fiquei em transe por alguns minutos até que o meu primo de sardas nojentas me cutucou, quando vi a mão trêmula dele esticada para mim, tive a sensação de que ela já estava assim por algum tempo. Ele me conduziu até o centro, e nós dançamos ao som de uma valsa clichê qualquer. Eu não conseguia tirar os olhos de Eliot, e tinha a impressão de que ele também estava olhando para mim. Claro, como todos na festa, afinal, eu estava dançando. Mas ele me olhava de um jeito diferente. Eu quase não acreditei quando o vi andar em direção a mim. Diabos, o que ele estava fazendo? Carie iria me matar. Eu já podia avistá-la bufando, soltando fumaça pelas narinas. Ele aproximou-se de mim e fez um gesto cordial para que o meu primo lhe passasse a minha mão. Então nós dançamos. Eu olhei pro meu pai e ele estava sorrindo, como se entendesse o que estava acontecendo, como se tudo fosse premeditado. Bando de traíras. Eu olhei dentro dos olhos de Eliot, eles me devoravam, me hipnotizavam, eram lindos, e incrivelmente azuis. “O dia finalmente chegou, Melanie”, ele sussurrou no meu ouvido. Eu fiquei arrepiada dos pés à cabeça. Era como se eu reconhecesse aquela voz, não da escola, não das discussões, mas de algum outro lugar, algum lugar calmo e amoroso, ao qual eu não sabia onde ficava. “Parece que você está lembrando, minha pequena”, eu o olhei atordoada, tentando entender aquelas palavras sem sentido, e então flashes começaram a invadir minha mente, um casal feliz correndo em meio a muralhas, lembranças que não eram minhas. “Eu te esperei por muitos anos, muitos mesmo” E então Eliot me beijou. Um beijo suave e intenso. Num passe de mágica, tudo ficou claro na minha cabeça. Nosso amor, nossas vidas, minha morte. Meu assassinato, para ser mais justa. Eu fiquei um pouco tonta e quis desabar, mas Eliot me segurou firmemente, acho que ninguém percebeu. Então eu fechei os olhos e o beijei novamente. Mais lembranças me inundaram torrencialmente, eu fui assassinada por ciúmes. Agora eu compreendia tudo, principalmente o ódio que a Carie sentia de mim. E eu entendia também o porquê do meu pai fazer tanta questão dessa festa. A grande festa. Foi por causa dela que eu consegui entender que, não importa quantas vidas você viva, o verdadeiro amor nunca morre, nunca passa e jamais é esquecido. Porque ele está marcado na alma, e não na matéria.